29 de junho de 2010

Música do dia: " Ocean"



Tinham decidido deixar Portugal há cerca de 20 dias atrás.
Aquela seria provavelmente a última viagem livre de horários, responsabilidades, banhos diários e refeições decentes.
A ideia seria explorar a costa Italiana exaustivamente, de um modo bem nómada. Sem muito dinheiro, sem hotéis, sem gillettes ou destinos marcados. Apenas uma mochila, uma guitarra, uma tenda e algumas latas de atum a juntar a uma peça de fruta e pão fresco das povoações por onde passavam.
O final da viagem aproximava-se, mas o pensamento deles estava bem longe disso.
Já caminhavam à cerca de 40 minutos, com uma mochila às costas que começava a deixar as suas marcas, até que se decidiram por um lugar para acampar naquela noite.
Era um pequeno planalto, sobre um penhasco com vista para o mar mediterrâneo e um sol vagaroso que se deitava no horizonte.
Entre duas velhas auto-caravanas, aparentemente uma Alemã e outra Australiana e o olhar atendo de um Pastor Alemão, montaram as suas três minúsculas tendas.
Quando já tinham completado a instalação, aperceberam-se do aproximar de dois rapazes e uma rapariga. Cada um deles de prancha na mão e fato de surf despido a meia cintura.
Pouco se passou para que partilhassem o jantar junto a uma fogueira de lume brando.
Aquela, seria sem dúvida a melhor refeição do mês. Um posta de peixe e uma colher de arroz colado para cada um, temperado por um calor nocturno exagerado e sem o mínimo rasgo de vento que arrepiasse raciocínio.
Ali ficaram horas na conversa num Inglês arranhado, até que um deles, o Australiano pegasse na guitarra e gravasse para sempre aquele momento.
Chamava-se John... e na altura já tinha aquela farta Rasta, bem à imagem da sua mulher.
Dizia que queria mostrar a sua música ao mundo, que estava era apenas à espera da oportunidade certa. Os outros, os forasteiros, um pouco renitentes, calaram-se e deixaram-no tocar.
Tocou e continuou a tocar, sem nunca mostrar o mínimo sinal de cansaço. Dizia que era coisa de Australiano, com tanta convicção, que os outros quase acreditaram.
Assim ficaram até quase de madrugada, quando estenderam dois cobertores no chão e os cinco ali se deixaram adormecer. Sem mantas nem pijamas, sem frio nem calor, sem fome nem com dinheiro. Adormeceram porque apetecia e acordaram quando aconteceu.
As tendas apenas ali ficaram naquela noite, mas apenas essa bastou para que aprendessem o verdadeiro significado da vida.
Ao contrário do que os intrusos pensavam, havia quem a vivesse, mesmo! E eles viveram-na, por uma noite, imediatamente antes de apanhar o avião de volta ao seu País e voltar a olhar a vida apenas de passagem, como todos os outros à sua volta, que apenas passavam por ela.

John Butler Trio - Ocean

1 comentários:

AMC disse...

Este comentário é sobre o comentário que deixaste no meu blog. Sim, a tua colega era mesmo incrível. E garantidamente também há enfermeiros assim made in Portugal. Às tantas tu és um deles. :) Já me tiraram sangue IMENASAS vezes (uma numa altura em que estive doente, outra durante a gravidez). Só lembro de ter sido escandalosamente mal tratada uma vez. Mas estas duas enfermeiras marcaram-me. Talvez porque tenha desconfiado delas ao primeiro olhar :S Preconceito, sim admito. Mea culpa. Mas elas chutaram o meu preconceito para canto. :P