17 de junho de 2010

Despida por uma noite - Parte III

Ver Parte I, Parte II

Já não me lembrava como havia sido a última vez que estivemos juntos. Tinham passado tantos anos.
Deste-me a morada. Um prédio velho com uma pintura amarela já escamativa, bem no centro de Lisboa, perto da Graça.
A porta era de madeira e o trinco abria-se com auxílio de um cordel de nylon verde, ligeiramente solto da parte de fora.
Puxei-o apreensivo, empurrei a porta e subi dois lanços de escadas bem estreitas e inclinadas, numa madeira assustadoramente rangedora.
Bati à porta.

- Está aberta, podes entrar! - Disseste tu.

Encostei-me à janela que tinhas aberta para o rio e ali fiquei por momentos.
Descobria-se uma vista silenciosa sobre os múltiplos telhados encarnados que cobriam a colina até à ponte 25 de Abril.
Dali via-se perfeitamente a rua que servia o prédio. Uma série de edifícios antigos, em cores desmaiadas, apetrechado cada um por uma correnteza de estendais de roupa, calçada abaixo. Uma velha enlutada, espreitava muda, do alto do seu parapeito, todos os ruídos mais suspeitos. Era disso que era feita o seu dia-a-dia por certo. Daquele cheiro a roupa lavada e dos gritos saloios que de quando em vez saíam de janelas abertas.
Fixei-me em ti e pensei no quanto tínhamos mudado. Eu mudei e tu mudas-te. Objectivos diferentes, visões alternadas e quereres opostos.
Tudo parecia diferente, até que sem saber como, te beijei. Continuavas a ser a mesma!
A mesma perdida, a mesma esbatida e cinzenta que ao pé de mim ganhava cor de verdadeira.
...
No meio duns lençóis amarrotados e frios, lá estavas tu, distante, num egoísmo tão insuportável quanto atraente expressado num gemido de prazer, preso num espasmo incontrolado e adormecido há mais de 40 anos.
...
Ficámos assim horas sem contar. Enrolados numa ronha peganhenta.
Quando acordei, tinha a tua sombra já sobre mim. Era de manhã e o sol batia forte nas tuas costas. Não disseste nada!
Dobraste-te sobre mim e beijaste-me a testa, passaste-me com os dedos sobre os olhos e depois deslizas-te com eles até aos lábios, onde os deixas-te empastar por momentos.
Afastaste-te e apontas-te para a carta que havias deixado na mesa de cabeceira.

Ias voltar para casa!


4 comentários:

Anónimo disse...

Soberbo :)

Diana Sousa

Anónimo disse...

Como adoro estes textos;)

Daniela Teixeira disse...

Rendida :')

Anónimo disse...

Estes textos matam-me :)