15 de abril de 2008

Confissões Urbanas

Já se aperceberam bem da riqueza que é viajar de transportes públicos?
Não falo da questão económica, ou ambiental. Falo sim de sensação de pertença a uma sociedade, de fazer parte de um movimento citadino, urbano, com vida.


São 19h30. Entro na estação, cansado, e deixo-me levar pelas escadas rolantes.
À minha frente uma mulher desce as escadas desamparada, largando perna após perna nos degraus que se sucedem.
Precisa de falar com alguém, de dizer que estás a ter um daqueles dias, de alguém que a oiça.
Pega no telemóvel. Alguém atende. Mas ela desliga. Do outro lado não quiseram ouvir.
Deixa-se resvalar encostada à parede e desce assim o último lanço de escadas.
Eu cá de cima observo, vejo ser.
Já não há lugares sentados, e ela fica em pé pacientemente à espera do Metro.
Cheia de um olhar vazio, fixa o olhar no fundo do túnel à espera de algo, de alguém que a leve para uma outra paragem.
Poucos são os momentos em que apanhamos uma mulher de olhar indefeso e desarmado, este é um deles.
À minha volta ninguém repara. Dois ouvem mp3, outros três agarrados estão ao telemóvel, cinco lêem jornais de enchimento rápido, e um lê um livro. Ninguém fala.
Sei que muitos aqui olham, mas pergunto-me se alguém vê.
Eu vejo, vejo tudo.
A mim, aos outros, como os outros vêm os outros, e como os outros se vêm a eles nos vidros que no escuro dos túneis servem de espelhos. Uns fazem caretas, vincam a pele, piscam olhos e olham sorrateiramente para a menina bonita que está a frente deles.
Chego ao Cais do Sodré, e sou impulsionado por todo um movimento colectivo que carrega pressa.
Aposto que metade das pessoas que vão a andar depressa, apenas o fazem porque se deixam levar no ritmo.
Chegamos a adultos e apercebemo-nos que é cada vez mais é difícil parar. Acordar cedo, trabalhar, tomar um café com um amigo fechados num qualquer centro comercial, entrar no trânsito, ver o ponteiro da gasolina a descer, e os números na bomba de gasolina a subir. Seguir para casa, jantar a pressa, ver um pouco de TV ou gastar a nossa visão em frente a um ecrã de computador e dormir à pressa.
Todo este palavreado porquê?
Porque apetece parar!
Não peço para parar no tempo, peço apenas que tenha tempo para parar...
Como fazê-lo? A resposta está escrita nas paredes da mais rica estação do Metro de Lisboa: Parque - linha azul.
Só quem por lá passou percebe o que tento dizer...


2 comentários:

Sara Caeiro disse...

Não precisei de chegar a adulta para achar difícil parar... Mas isso talvez seja eu com as minhas manias. lol Nem quero imaginar como será daqui a uns anos!...

Fox disse...

Já há muito tempo que não vinha aqui... Mas soube bem ver que apesar de todo o tempo que passa e da falta de contacto que a maneira de pensar se mantêm nos mesmos carris, onde é sempre fácil de identificar um ponto em comum! =) (Obrigado Zap por me fazeres ver que não penso as coisas sozinho!)

Adoro essas "fotografias"! A "fotografia" da mulher que mais ninguém vê no verdadeiro sentido da palavra, a não ser nós que deixamos o olhar pender sobre ela mais do que os 3 segundos que dispensamos normalmente.
Ver uma pessoa, identificar o seu estado de espírito, reflectir um pouco sobre o que se passará na vida dela e por vezes, quando possível, extrapolar para a nossa própria vida e tentar fazer algo de diferente com isso!
Eu também gosto da experiência dos transportes públicos (excepto à hora de ponta!), pelas possibilidades de observação dos outros e da imaginação que pode correr solta!
Se queremos ou não parar, ou se o podemos fazer, é uma decisão de cada um. Há quem não queira parar, porque assim a vida passa mais fácil e "corre-se" por cima dos problemas que vamos adiando porque não temos tempo para os resolver... Há quem queira parar e não pode, porque os problemas não permitem esse pequeno luxo...
Eu dou-me por feliz, porque ocasionalmente posso parar, quanto mais não seja nos transportes públicos enquanto observo alguém que olha para o relógio...

(P.S. - Eu já passei muitas vezes no PARQUE! ;))