3 de março de 2006

A minha cara aos olhos dum espelho


Ainda é de madrugada, e pela segunda noite consecutiva não dormi nada de jeito. Apoio os cotovelos no lavatório, instintivamente faço a concha com ambas as mãos, e encho-as de água bem gelada, na esperança que deste modo acorde para a realidade. Enquanto me vejo ao espelho procuro decorar os traços dum sorriso forçado, e faço onze caras diferentes na esperança de encontrar a melhor para levar hoje para o trabalho.
Estamos em pleno Fevereiro, e agora na rua consigo seguir a minha respiração, neste jogo que repito vezes sem conta em dias frios como o de hoje.
Pela primeira vez na minha vida vejo neve em Lisboa, o que me faz sentir especial e pequenina por breves momentos, até que volte a passar em rodapé de pensamento aquela frase que tu me disses-te “Tu não me desiludas...”.
Assustaste-me, sabias?! As lágrimas vêm-me aos olhos, e procuro logo colocar a cara que escolhi hoje de manhã enquanto me via ao espelho. Estou insegura, preciso de alguém que seja o meu reflexo, aliás, o que eu preciso mesmo é do meu espelho, ao menos esse está lá sempre para mim, pronto a ouvir-me, ou até mais do que isso, pronto a partilhar o silêncio que se impõe, quando grito com estes olhos.
Não seria pois, nos rapazes, que eu encontraria a resposta para o meu silêncio. Acho que por vezes eles se esquecem que eu existo, cada um à sua maneira, mas nenhum à minha. Eu tinha que arranjar sempre espaço para os seus Egos gigantescos, que de certo modo me atraíam, mas que aos poucos, me iam destruindo. E Eu? Onde é que havia espaço para mim?
Eu tenho sempre espaço para ele, mas parece que depois de o ouvir, já não há razão para eu falar.
Será que eu não passo de um ser circunstancial, como a bola branca de Snooker, que nunca entra no buraco... Apenas se limita a empurrar todas as outras para o lugar que desejam (o saco de rede), assim que se dá a tacada inicial, neste jogo que alguns denominam de vida.
Mas espera...
Às vezes a bola branca também entra nos buracos... Às vezes o jogador engana-se e ela aconchega-se tal como todas as outras no saco de rede... Às vezes eu também sou feliz... Às vezes até chego a pensar que sou normal, que me sinto completa, tal como todas as outras bolas quando encontram o seu lugar... Às vezes penso que sou como a bola encarnada, azul, amarela, verde ou mesmo laranja...até que oiço algo no tom de “REBENTA A BOLHA”, a jogada é anulada, a bola branca sai do buraco, e nada é tido em conta. A bola branca volta ao local de partida, olha para o tabuleiro verde e tudo o que vê é vazio.
Estava a chegar o momento da despedida, eu sabia que connosco o jogador se tinha enganado, mas também sabia, que quando o comboio partisse, o apito de aviso da partida, iria soar a algo parecido comigo.
De manhã não treinei nenhuma cara para este momento, talvez porque só o quisesse viver uma vez, porque uma vez dói menos...
De volta a casa, parece que ninguém repara, talvez façam como eu... Finjo não ver.

1 comentários:

Anónimo disse...

bem, é impossivel nao se identificar com a rapariga do text ("a bola branca"). ser essa "bola branca" é nao ter espaço proprio é sentir k nunca estamos no lugar certo, e procura por esse lugar é incessante, tal como a bola anda de um lado para o outro. mais uma vez consegues que se entre na história e nas situações, sentindo o k tu sentes ou sentindo todos os sentimentos sobre os quais tu escreves.
por outro lado ser a bola branca também é ajudar os outros a encontrarem o seu lugar e afinal no final do jogo a bola branca também encontra o seu lugar, junto das outras.
jinhux