22 de abril de 2010

Tempestade cerebral - I

Meio cheia, de uma vontade mole e peganhenta.
Tinha tanto de apática como de despreocupada.
Sentou-se assim, num banco de jardim, daqueles verdes, com placas de tinta seca que saltam com o raspar continuo da uma mão avessa ao corta-unhas.
Em frente, um grupo de velhos compram o tempo com um baralho de cartas. No mesmo sítio, à mesma hora, todos os dias.
A barba por desfazer, a mesma camisa de flanela aos quadrados e o Polo castanho claro sem mangas.
A caixa de cartão que serve de toalha onde se apontam o número de vitórias.
As reformas, os trabalhos dos filhos e os sonhos dos netos. Os medicamentos. As doenças, as deles e as dos outros que para eles passam assim que sabem da sua existência.
O carteiro que ali passa todos os dias. Na mesma passada. Sempre estranho, com um chapéu de abas largas e um casaco cheio de bolsos vazios. Para quê?
As cartas que nunca mais vieram. Aquela excitação por as abrir, ler cada frase, cada palavra. O cheiro do papel, da tinta, mas acima de tudo do punho que a escreveu.
Lá longe, nalgum dia em que alguém se lembrou de mim. Quando nos lembrávamos dos outros. Das férias, dos saltos para a água, dos jogos e das aventuras, das certezas hoje que amanhã eram incertas.
Certas como um dia todos seremos, um pouco de todos e todos, um pouco de mim. É assim que funciona. Porque no fundo tudo é mais ou menos assim. Ali para o meio.
Leve, breve, em jeito de meia brisa contada por um analfabeto.
Esperem, ou talvez seja como uma escassa aragem.

2 comentários:

Anónimo disse...

Bom Post;)

MentalMente disse...

Gostei muito do teu POST.
Continua e parabéns.