24 de dezembro de 2009

Conto de Natal - Parte II

Ver Conto de Natal - Parte I

Arrancou sempre com mudança a fundo, até à casa dela. Assim que chegou, parou o carro atravessado na estrada e nem sequer o desligou. As luzes ficaram ligadas enquanto iluminavam dois carreiros de gotas que se perfilavam à sua frente.
Chovia cada vez mais forte, mas mesmo assim o seu grito por ela, ouviu-se lá na cozinha onde ela estava.
Ela, que já há três anos sozinha, resolveu convidar a vizinha do andar de cima. Também vivia sozinha e juntas tinham combinado fazer o natal acompanhado.
No meio da farinha e dos óleos ao fogão, a mais sábia lá foi partilhando uma ponta do mundo que tinha vivido.
Tinha saído de casa por volta dos 16 anos e cedo começara a trabalhar nas vindimas, na apanha das batatas, do tomate, da azeitona... de tudo o que a terra tinha para dar. Costumava dizer que o chão tinha sempre trabalho para dar a quem o quisesse agarrar e foi por isso que chegou aos 87 anos sem saber ler nem escrever, mas com uma casa própria e três campos nas redondezas da sua aldeia que lhe tinham calhado em partilhas.
Já lá não ia há anos, ao norte, mas o facto de ali estar a contar tudo aquilo por que tinha passado, fez com que este Natal deixasse de ser em Lisboa.
Estavam as duas de avental posto, a senhora e a miúda, quando se apercebem que alguém lá fora chama por uma delas.
A mais nova limpou à pressa as mãos, enquanto a mais velha foi à janela e espreitou pelas brechas dos estores. Conseguia ver a espaços um rapaz por entre os dois rasgos de luzes dos faróis . Só pode ser maluco - pensou ela
- É o Carlos?
- Sei lá se é o Carlos. Só sei que não deve estar lá muito bom do juízo.
- Sim, é ele!

Aquela resposta não deixou qualquer dúvida à convidada. Depois de tanta coisa que já tinha vivido, ouvi-la dizer que seria ele, disse logo que ele era para ela.
Em sobressalto atirou o avental para o canto da sala, abriu a porta, deu mais um passo e ali ficou, qualquer coisa como 5 segundos que aos olhos dela, mais parecia uma eternidade.
A velhota continuava a espreitar por detrás dos estores com a luz acesa e viu os dois abraçarem-se. Apenas isso. Como ela o fez em 1938 com o único homem que tinha "conhecido".
Ali à chuva, aqueles dois não fizeram mais nada, nem nada disseram.
Agora resolvidos, ele entrou no carro e ela voltou para dentro.
A Sr.ª guardou para si mesma que, um dia aquela miúda seria também uma senhora e aquele miúdo, para sempre o seu senhor.

1 comentários:

Sara Caeiro disse...

Bonito conto de Natal =)