23 de dezembro de 2009

Conto de Natal - Parte I



Era a véspera de Natal.
Ele saiu de casa, sozinho, no fundo, era assim que estava.
Saiu à procura de novos rumos, inspirações, decisões ou apenas de um pequeno momento de nostalgia.
Estava a chover miudinho e sentia-se uma brisa quente tendo em conta os dias que se tinham antecedido.
Começou a ficar um pouco incomodado com a procura prolongada das chaves do carro. Ainda agora as tinha guardado... Bolso esquerdo, direito. Calças...
Encontrou!
Entrou rapidamente para dentro do carro, esfregou as mãos repetidas vezes na esperança de aquecer um pouco mais e virou a chave na ignição. Deixou aquecer um pouco o motor e ligou o rádio. Não quis o cd que lá tinha, experimentou a espontaneamente de uma rádio local.
Daí até ao momento em que estacionou não recorda nada. Fez talvez uns 5 km como se estivesse em piloto automático, com o olhar vidrado para a frente, sem tomar a mínima atenção na estrada, nem tão pouco nos raros peões que se aventuravam nos estreitos passeios que conduziam até a zona de Belém.
Estranha essa sensação, de se chegar a um local, sem saber como. Parou assim que encontrou um lugar, mas manteve por momentos o para-brisas ligado.
As imagens distorcidas através do vidro sempre lhe fizeram confusão.
Desligou o carro e rapidamente um vulto se aproximou do lado de fora, com um rolo de jornal amassado debaixo do braço e um boné esbranquiçado meio sujo e ensopado a fingir de guarda-chuva. O outro, fez-lhe de fora uma sinalética qualquer, mas ele preguiçosamente ignorou.
Puxou o fecho do casaco até bem acima e já sem ninguém no horizonte, saiu do carro a custo. A chuva agora amassava qualquer um que de mais maluco tivesse o pensamento e só essa o empurrou aos soluços até ao lado aposto da estrada.
Entrou desconfortável, tinha os ombros, as coxas e as pontas dos ténis de verão completamente molhados por aqueles quinze metros de rio que caia do céu.
Rapidamente sentiu o quente do interior e o ambiente acolhedor. Tinha entrado no café . Tinha as paredes forradas a madeira, vítima de uma clara reconstrução bem sucedida. A decoração era simplista, mesas pequenas redondas, também em madeira, o suficiente para duas ou três pessoas se ouvirem sem necessitarem mais do que um pequeno sussurro.
Fez o seu pedido e cambaleou até ao andar de cima.
Após um olhar de 360º, escolheu uma mesa junto à janela. Lá fora continuava a chover e ele entreteve-se por momentos a seguir o trajecto aleatório dos pingos janela abaixo.
Aos poucos apercebeu-se da música de fundo e ficou um pouco constrangido com o poder que ela tinha no moldar daquele ambiente.
Olhou de novo em volta e fixou-se nas poucas pessoas que o rodeavam. Nos sorrisos a dois, nas cumplicidades, nos aconchegos, nas confissões, nas conversas, nos mexer de copos e nos toques debaixo da mesa.
Divagou para o ranger do chão de madeira e fixou-se no resto do café que ficou no fundo da chávena. Rodou-o par a direita, depois para a esquerda, desfocou o olhar e procurou encontrar o que lhe faltava naquela sala.
Foi ao bolso direito e procurou impacientemente por uma sms, uma chamada não atendida, um ameaço de chamada... mas nada. Ecrã livre, caixa de mensagens vazia e a rede no máximo.
Ainda pensou em ligar-lhe, chegou mesmo a pôr a chamar, mas tão depressa se apercebeu que apenas isso não chegava, que enxotou a cadeira para trás e saiu disparado escadas abaixo até ao carro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Já li.
Diria que és tu o protagonista desta história;)

CarMG disse...

continuo a espantar-me com a facilidade que tens em descrever acções do dia-a-dia, tão comuns mas tão discretas.
a tua escrita descritiva é muito, muito boa, bem como o teu olho arguto para os pequenos pormenores ;)