18 de dezembro de 2007

Peso de um compromisso V


O sol já se vai pondo, e por detrás das nuvens oportunas, este vai soltando literalmente uns raios que iluminam esta estranha vila.
Aqui os sapateiros usam casacos que fecham com atacadores, cada palavra escrita pelos ourives vale ouro, e os homens do pó, simpaticamente encarregam-se de deixar a sua marca em cada casa das redondezas.

- ... Segunda saída após a rotunda, deve ser por aqui. Procuro a placa identificadora da rua.
Rua dos Vários Caminhos, é aqui!
"Compromissos Lda", não tem que enganar.
A entrada na loja é no mínimo assustadora. A forma de aliança, decerto afugenta os menos determinados.

Homem do Compromisso (H.C.)- Muito boa Tarde! Em que posso ser útil?
Indivíduo (I)- Boa tarde! Bem, eu, errhhh, tenho um problema. Há alguns tempos para cá tenho reparado que tenho desenvolvido uma certa aversão ao compromisso. Não sei se isso será normal, mas de algum modo eu quero mudar e simplesmente não consigo.

H.C.- Pois imagino. Por quantos Outonos é que já passou?
I.- 26...

H.C.- Muito bem. Veio na altura certa. Não sei se sabe, mas são muitos os que aqui vêm. Pior não são os muitos que aqui vêm, são aqueles que nunca cá aparecem.
A maioria deles, deixam-se arrastar, e acabam por nunca tomar uma decisão, seja ela qual for.
Sufoco, é o que todos me dizem. Que Elas nunca percebem como é que alguém que há um mês atrás fazia tudo por Elas, de repente se afasta.
I.- Exactamente! É mesmo esse o meu mal. Mas tem remédio para isso?! É que parecendo que não, já começo a precisar da cura.

H.C.- Remédio não tem. É tudo uma questão de mentalização, demora algum tempo.
I.- Pois, mas o tempo já não vai sendo assim muito.

H.C.- Dê-me só um momento, deixe-me consultar o seu registo... diga-me o seu nome sff.
I.- Individuo D´Identidade Desconhecida.

H.C.- Ora bem, Errhhh... Uma, duas... três... quatro... fogo!
Espere lá, mas isto não é uma coisa recente. Já temos aqui várias queixas contra si. A continuar assim o seu caso irá ser transferido para o DSE*, e uma vez aí, ser-lhe-á muito difícil sair.
I.- Hum...

H.C.- É que o sr. necessita urgentemente de "receber", mas desconfio que o problema está em "querer dar". Dar uma justificação, pedir uma opinião, ceder uma vez, opor-se noutra, falar pouco e escutar sempre, perder a motivação de hoje e descobri-la amanhã, ter ciúmes e mais grave que isso ter falta deles, planear agora e deixar fugir depois. Percebe o que lhe estou a tentar dizer?!
I.- Bem... errhhh, que é que quer dizer com isso?

H.C.-Estou a ver que tenho que lhe imprimir o "Guia de Mudança Orientada".
I.- Guia de Mudança Orientada? Como assim?

H.C.- Só um momento... Aqui tem. Aí encontrá o seu futuro, caso não mude de modus operandus rapidamente. Leia e veja:
I.- "Um dia, após o trabalho, abres a porta e entras numa casa escura, na tua casa. Ouves apenas os teus movimentos, a casa está fria, mas mais que isso, vazia. Num primeiro instante, pensas que estás feliz, que tens a tua própria casa, o teu emprego, o teu dinheiro, a tua roupa e as tuas extravagâncias. Entras na sala, e deitas-te no sofá. Preguiçosamente pegas no comando da televisão. Não tens sono, e em 45 canais não há nada de interessante. A única luz que há na sala é a que vem desse quadrado agora insignificante. Desligas a TV, e por 5 minutos ficas às escuras no sofá. Só tu e os teus luxos, que agora deixaram de ter qualquer valor. Falta alguém. Alguém que se levante de manhã e vista uma T-xirt tua, com os olhos inchados de sono e o cabelo completamente desordenado. Alguém que também goste de ouvir a chuva na cama, e que te aperte a cada estrondo de trovão. Alguém que se chegue a ti quando se sente insegura, alguém que queira fazer planos, alguém que goste daquela música, alguém que também faça caras estúpidas e figuras ridículas, alguém que te queime as torradas, alguém com quem queiras fazer um jantar, alguém que te risque o carro a estacionar, alguém que te escolha a gravata certa, alguém com quem rir e alguém com quem falar ao final de um dia que correu tão mal, alguém..."

H.C.- Percebe agora o que lhe estou a tentar dizer?! Bem sei que o Sr. não era assim, aliás, você era uma das nossas melhores esperanças enquanto indivíduo cumpridor de compromissos. Temos aqui connosco um documento que nos chegou à cerca de 12 anos, enviado pela nossa prospectora de talentos a laborar nos estabelecimentos de ensino secundário na sua área de residência. Escrito e assinado por si quando tinha cerca de 14 anos, correcto?
I.- Depois de um flashback instantâneo, engulo em seco.

H.C.-Eu sei o porquê dessa mudança radical em si, desse atrito que surge sempre que há que investir numa relação. O tempo passa, mas o passado não se pode apagar...
Afinal de contas, a tal ainda está para vir, e não falta muito...

(por instantes fico de olhar vidrado, com os olhos fixos no vazio)

I.-Tem razão. Obrigado por tudo.

(Volto costas e saio do estabelecimento com a sensação que algo tinha mudado. Tinha sido apenas uma coisa. A minha perspectiva.)


DSE* - Departamento dos Solteiros Egocêntricos

2 comentários:

Sara Caeiro disse...

Às vezes é só mesmo isso que basta: mudar de perspectiva ;)

P.S.: "DSE* - Departamento dos Solteiros Egocêntricos" --> lolol

Anónimo disse...

Agora já percebo porque o nome do blogue é 3m2!!!
Tradução: 3 menos 2 = 1
Pois só o zap é que escreve, ou seja 1 pessoa...
Comé Chepas, comé walter???? os vossos textos??????