1 de abril de 2007

O baile lá da minha terra


No ar já se ouvem os primeiros acordes e aos poucos as pessoas vão subindo pelas calçadas da aldeia até chegar ao adro da Igreja. Será lá que se irão passar as próximas 6 horas.
Os filhos e netos da aldeia regressam a casa.
Muitos são os que aqui vêm apenas com a ideia de dar uns dias de descanso ao “tic tac” das grandes cidades.
Afinal de contas esta é outra dimensão, aqui o relógio tem limitador de velocidade, e os dias são como aqueles grandes balões de pastilha elástica, sempre cheios!
...
As melhores pedras já se encontram ocupadas pelos naturais da aldeia, idosos.
As raparigas solteiras vestem as calças que mais as favorecem, e aquele “top” comprado na ultima feira da vila. Chegam acompanhadas dos pais, mas assim que chegam ao recinto logo vasculham a multidão, muito discretamente, à procura do tal rapaz.
Esse lá está, junto dos seus quatro amigos, todos eles bem arranjados, gel no cabelo, casaco de ganga, e sapatinhas brancas lavadas pelas mães dois dias antes da noite. Ao longe a presença do grupo faz-se notar com as características gargalhadas comprometedoras.
Aqui e ali estão dois pastores, também eles bem vestidos. Hoje é dia de camisa por dentro das calças. Discretamente escolhem antecipadamente as suas dançadeiras, não muito bonitas, não muito vistosas, mas dançadeiras! ...Algo me diz que eles não vão parar uma única musica.
Nos miúdos consigo captar uma ligeira ansiedade e as primeiras trocas de olhares, certamente na esperança de neste dia arranjarem um qualquer amor de verão. Muito provavelmente será uma busca em vão, por não saber dançar, não saber meter conversa, não saber estar... enfim, por não saber... É assim, a idade, acho que faz parte... Ficar toda a noite com o coração aos pulos, porque se está no processo de encorajamento para a convidar na próxima musica. A próxima chega, e o processo ainda não está completo, talvez na próxima, ou para a outra...
Varro o recinto com o olhar, e consigo notar as ondulações formadas pelo pequeno amontoar de gente, que harmoniosamente sobe e desce, roda e pára ao som de três acordes.
Nova musica começa. Esta tenho que dançar!
Vou ao encontro de uma amiga de longa data. Agarro nela e timidamente entramos naquele mar agitado. Vamos para o meio. Lá todos nos olham, mas ninguém nos vê. Estamos seguros.
Lá em cima, espectadoras atentas. As estrelas. Fieis como sempre. De quando a quando uma cadente. Tenho a impressão que elas já repararam em mim. Repararam que hoje tenho a camisa para dentro, tal como a trazia no meu primeiro baile.
...
- Porque é que nunca demos certo? Pergunta ele
- Porque era a única maneira de não dar-mos errado...Responde ela
...
Apercebo-me que alguém está a ver. Serei eu? Também eu um dia fiz a mesma pergunta.
Mas hoje, estou sentado numa daquelas pedras.

1 comentários:

Anónimo disse...

:) muito interessante esta tua descrição das festinhas da aldeia, conheço bem essa realidade..sou uma das que fica sentada na pedra a olhar à volta..achei espetacular essa tua visão critica..nada envergonhada, daquilo que representa uma forma de diversão, mas que muitos jovens já têm vergonha de integrar (eu confesso que fico sentada por vergonha..talvez depois de ler isto não) ;)